Uma viajem musical do sertão nordestino até a garoa paulista, passando pelas ruas de Minas Gerais; é mais ou menos essa a paisagem sonora de “Contrabaixoastral”, primeiro CD do baixista, compositor e maestro Luciano Calazans. Um disco eclético, que vai do choro à MPB, com direito ao pop e ganchos de jazz-rock. Possui também momentos mais funkeados, enquanto Luciano, com sua pegada nervosa, parece querer arranca os trastes em seus improvisos para acabar com o “baixo astral”.
O disco foi produzido pelo irmão, Cássio Calazans, guitarrista da banda de rock baiana “Zé da Esquina”, o que não traz nada de “guitarrístico” na sonoridade do disco. Gravado em 2003 nos estúdios WR, conta com um time de músicos conhecidos no circuito jazzístico do Rio Vermelho e da Escola de Música da UFBA. Muitos deles, como Luciano, também tocam em bandas de Axé Music e possuem experiência internacional, mas buscam alternativas para dar novos saltos em seus horizontes. Um passo além da indústria do Carnaval, que os torna dependentes de trabalhos de cuja estética quase nunca compartilham por inteiro. Isso não é nada fácil na Bahia, como todos sabem.
A síntese sonora nesse contexto de músicos jazzísticos que tocam Axé é latente no CD, e explica a presença de Margareth Menezes nos vocais do baião “Papagaio do Futuro”, de Alceu Valença. Luciano já tocou, não só com Margareth, mas com Gil, Ivete e outros artistas famosos na busca por seu caminho. Hoje, além do trabalho solo, acompanha Ricardo Chaves em shows e gravações pelo Brasil e exterior.
A faixa de abertura é “Virtuose (Estudo nº 1)”, um choro bem brasileiro no estilo Altamiro Carrilho. Contando apenas com contrabaixo e pandeiro, é a faixa mais nervosa do CD (Os Demônios da Garoa tomando anfetamina!) Luciano poderia ter escolhido a segunda canção, “Meu Gume”, por exemplo, com seu clima meio lounge, ou a tema “Pimenta”, mais influenciado pelo funk americano, mas a decisão de abrir com um estudo de contrabaixo demonstra, literalmente, a proposta de mostrar seu lado mais virtuose nesse trabalho, mesmo nos temas mais suaves.
Na terceira faixa “Eu e Mim”, começa a se apresentar a influência dos compositores mineiros do Clube da Esquina, com direito a corinho ala 14 Bis e tudo. Já a influencia fusion dos anos 70, de gente como Stanley Clark, Chic Corea e Billy Cobham está presente em quase todos os improvisos. Nesse ponto, é um típico disco instrumental brasileiro. Uma sucessão de temas escritos por Calazans e improvisos livres para ele e os acompanhantes, intercalados por climas tendendo para o etéreo, para depois voltar ao tema. Sente-se a influência e o confronto entre o “brasileiro” e o “estrangeiro”, que o compositor resolve à sua maneira, com os choros e xaxados e funks.
O fusion, que ganhou no Brasil uma aceitação bem mais efetiva dos artistas que partiam do jazz para o rock, é uma referência inevitável para toda uma geração de músicos baianos. Aliados aos acadêmicos da Escola de Música, o time que Calazans conseguiu reunir é extenso. Praticamente toda a cena instrumental baiana, composta basicamente pela cena do Rio Vermelho e da Orquestra Sinfônica da Bahia, toca neste CD. Um fato notável como a própria consecução da obra, o que pode ser observado na ampla fixa técnica e no grande número de apoios e prêmios que estão na contracapa.
O tratamento de masterização do CD é bem sutil, puxando para os médio-graves. Não é o tipo de som Stanley Clark, mesmo em temas onde é reconhecível sua influência. Também não é uma sonoridade Funk. É mais para o timbre geral dos discos de Mingus. Nada muito metálico ou superagudo, o que o torna aprazível, mesmo nos momentos mais empenados da execução e nos solos de metais. Soa às vezes como uma trilha de um filme existente no inconsciente do autor, principalmente na faixa Valsinha, com seus lampejos de Dysney. Outro fato que contribui para tal suavidade é a altura dos solos, que não entram em desacordo com o volume geral, facilitando o trabalho do ouvinte. Talvez isso desagrade alguns vanguardistas, mas deve facilitar a execução no espaço restrito das rádios para esse tipo de trabalho.
Os temas se encadeiam com relativa coerência, apesar da variedade de estilos. Ele busca impressionar sem ferir os ouvidos. Nada atonal ou para transgredir regras de música, talvez pela formação erudita do próprio Calazans. Uma música como “Um Choro para Augusta” é seguida pela introdução roqueira de “Figurinhas”, com sua pegada mais agressiva, mas não chega a haver um choque. Às vezes os temas soam como reminiscências da MPB dos anos 70, influência inevitável no repertório de um músico baiano na virada dos 30 anos de idade como ele.
Calazans gosta de trabalhar com extensos naipes de metais e cordas. De quatro a doze instrumentos tocando juntos. Os arranjos são cuidados ao extremo e fiéis à proposta, ainda que às vezes se prendam a um estilo extensamente trabalhado no passado, como na introdução alá Tim Maia em “Pimenta”. A superação encontra-se na já mencionada Valsinha, a faixa seguinte, que apesar de trazer algumas imagens conhecidas, é singelas sem serem piegas. A sensação de infância está presente em outras partes do disco (não é á toa que Vina, filha do músico, participa na canção “Divina”). A própria interpretação de Luciano alterna essa busca pela velocidade e proficiência, contrastada por momentos mais introspectivos, geralmente utilizando-se de um som fretless, mais macio e etéreo. Vale a pena conferir.
Bom trabalho gostei do chorinho e a primeira vez que vejo num contrabaixo!!!! Parabens!
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