quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

:: Calazans: contra baixo astral ::


O contrabaixista Luciano Calazans, sem dúvida um dos melhores do país, prefere uma definição mais abrangente, se definições forem necessárias: “Eu sou músico”. Dono de um estilo marcadamente peculiar, nesta entrevista ele confessa que já quis tocar como John Patitucci, baixista de Chick Corea, mas que, ao ser comparado com o original -por Leo Gandelman- e ganhar o apelido de Patetute, preferiu ser ele mesmo: Luciano Calazans. Portador de uma memória afetiva totalmente ligada a páginas musicais, Calazans faz um vasto passeio pelo passado revelando um tipo de nostalgia que, entretanto, não o engessa nem incompatibiliza com o presente. Do Rock’n’Roll da lendária banda Zé da Eskina, passando pelos forrós do disco As Canções de Eu Tu Eles, que gravou com Gilberto Gil, ele chega até o Axé de Festa, consagração de Ivete Sangalo. “Bell Marques achou que eu estava tirando sarro quando eu disse que ele me influenciou”. Bom papo! 


James Martins – Eu quero que você comece falando, como sempre, como foi que você descobriu a música e se descobriu como músico, independente de carreira. A sua relação com a música. 

Luciano Calazans - Eu me descobri como músico desde que comecei a perceber que tinha música no mundo. Não estou hiperbolizando... mas meu pai era músico -ele é vivo, mas eu digo era porque ele não é mais atuante. Então, meu pai tocava e eu ouvia todo tipo de música em casa, com meu ele e minha mãe: de Waldir Azevedo a Júlio Iglesias. E como eu sempre fui uma criança curiosa, eu ouvia prestando atenção. Meu pai tinha discos de “Armandinho, Dodô & Osmar” e me levou para vê-los tocar em diversos lugares. Mas até os meus 12 anos de idade eu não tinha planos de ser músico, né?  Eu já tocava, inclusive flauta doce, comecei a tocar violão com 10 anos, mas sem planos de ser músico. Eu lembro tudo da minha vida desde os meus quatro anos (risos)... mas assim, tudo, tudo mesmo. Então é por isso que eu tô falando que desde que eu entendi o que era música, quando comecei a assimilar os sons, seja em rádio, seja em tape (fita cassete), ou disco de vinil, eu comecei a gostar. Tanto é que várias músicas têm uma interferência particular em minha vida. Por exemplo: uma música de Phill Collins que me lembra um momento da minha infância. Aquela música Woman de John Lennon, por incrível que pareça, uma coisa que não tem nada a ver, mas eu lembro de minhas travessias quando criança, pegando o ferry boat para ir à ilha de Caixa Pregos... 

JM – Mas e dessas coisas que você foi ouvindo, quais foram os artistas que mais te marcaram e mais te interessaram na infância? 

LC – Os de choro, chorinho. Os Beatles... eu comecei a perceber o contrabaixo por causa de uma música dos Beatles, que eu não sei o título, mas se eu cantarolar aqui você pode procurar na internet [cantarola], foi com essa música dos Beatles [por sinal, eu não achei a tal música na internet] que eu despertei para o instrumento, porque eu já via meu pai tocando contrabaixo, já sabia qual era o som, então eu já consegui focar o que ele marcava [simula os sons graves do instrumento com a boca]. Waldir Azevedo; Pixinguinha muito; Nelson Gonçalves; Júlio Iglesias; Christopher Cross... eu tô misturando o que minha mãe ouvia também, né? E tudo de Jovem Guarda que você imaginar. Muito Roberto Carlos, excesso de Roberto Carlos. Isso eu estou falando da infância, né? Excessivamente Roberto Carlos. 

JM – Você morava onde nessa época? 

LC – Eu nasci no Hospital Santa Isabel, em Nazaré, mas eu morei a maior parte da minha vida, 80% da minha vida na Liberdade. Outra coisa que eu ouvia nessa época era Luis Guedes e Thomas Roth, não é uma coisa muito conhecida, mas eles são parceiros e têm muitas músicas gravadas pelo Roupa Nova. Djavan, que tava nas paradas. Caetano... tudo isso na minha infância eu ouvia e tenho lembranças de momentos associados a essas canções. Por exemplo, uma coisa até meio mórbida, aquela música Você É Linda, de Caetano, que é do disco Cores-Nomes, eu também tenho boa memória pra essas coisas de disco... 

JM – [Interrompendo] Não, não, Você É Linda é do disco UNS, aquele que tem ele, Dedé, Seu Zezinho e D. Canô na contracapa. 

LC – Não. Linda é Cores/Nomes, que tem Ele Me Deu Um Beijo Na Boca... eu tenho esse disco. 

JM – Ele Me Deu Um Beijo Na Boca é de Cores/Nomes, mas Você É Linda é de UNS. Mas vamos continuar.  

LC – Pois é, a gente pode procurar depois na internet, mas eu tenho uma lembrança mórbida com essa música, de um amigo meu de infância que morreu no dia 25 de agosto, atropelado, eu tava com nove anos e ele tinha 11, no dia 25 de agosto de 1983 ele morreu e no dia do enterro tava tocando essa música na rádio. Então toda vez que eu ouço essa música eu associo àquele momento. Isso já é uma coisa que a música sempre foi entrando em minha vida, de uma forma ou de outra, como se fosse um elixir, cada momento da minha vida, cada segundo, cada minuto, tem uma música que tem a ver. Depois, na adolescência eu comecei a enveredar pra coisa do Heavy Metal, que também tem momentos que eu lembro com músicas do Iron Maiden, depois passei a enveredar pro Jazz... na verdade eu sempre gostei de ouvir música, qualquer coisa, tudo, tudo, tudo. E isso foi crucial na minha formação. Ajudou muito quando eu comecei a minha carreira profissional aos 13 anos, que foi tocando baile. E baile, pra qualquer músico é muito bom. Quem dera todo músico hoje em dia tivesse baile como escola, porque o cara ali tem obrigação de tocar tudo. Mas era uma obrigação gostosa pra mim. Tocava de 11 horas da noite, dava uma pausa às duas da manhã e voltava a tocar até as cinco. O repertório era vastíssimo, de trezentas, quatrocentas, quinhentas músicas. E não eram compilações, medley, eram as músicas inteiras. E eu como eu já tinha ouvido de tudo e sempre fui uma esponja pra isso... Mas é claro que houveram músicas que eu detestava, dizia ‘essa música eu não gosto’, e não gosto mesmo e acabou, desde criança. Aquela por exemplo [cantarola] “Aquela nuvem que passa lá em cima sou eu (...)”, essa música eu nunca suportei e nem vou suportar. Mas toquei ela, né? Toquei em banda baile. Para mim não existe esse negócio de música brega, nem música chique. Para mim existe música bem feita, bem elaborada, esmerada, ou não. 

JM - E a sua relação com o contrabaixo, como começou? E quais os contrabaixistas que te foram fundamentais, para o bem e para o mal, os que você admirou e os que serviram como exemplo de tudo o que você não pretende fazer no contrabaixo? 

LC – Isso do que eu não gostaria de fazer no contrabaixo eu prefiro não responder. Na verdade eu vou responder sim, porque o que eu não gostaria de fazer no contrabaixo eu também gostaria de fazer no contrabaixo. Eu não vou mencionar os nomes dos baixistas que eu ‘não faria no contrabaixo’, mas eles também foram e são necessários para eu tocar da forma que eu toco hoje. Naquilo que há de ruim a gente pode tirar algum proveito. E se a gente pode tirar algum proveito do ruim, então quer dizer que não é de um todo ruim, não é isso mesmo? Mas baixistas... eu tenho que colocar uma coisa sobre isso, que antes de ser baixista eu sou músico. Primeiro eu coloquei na minha cabeça que eu sou um músico. Eu sempre gostei de qualquer instrumento, qualquer coisa relacionada à música. Mas vamos lá, é uma cacetada de baixistas. Vou fazer cronologicamente. 

JM – Então vamos lá, começando pelo começo. 

LC – Meu pai foi uma influência né? Aí vêm os baixistas aqui da Bahia (por que eu conheci muitos lendo a ficha-técnica dos discos, coisa que eu sempre fiz): Carlinhos Marques, não só como baixista, mas ele é também um excelente compositor, arranjador. Quando eu tinha uns 10 anos de idade eu ouvia tudo que ele gravava e ele gravava quase tudo aqui. Ele era o baixista da banda Acordes Verdes, de Luis Caldas. Chegou uma fase que eu já sabia que era ele que tava tocando só de ouvir. Teve também Otávio Américo; Rui Lima; Cesário Leone, que eu vim conhecer mais tarde, já na fase de adolescente. Esses que eu tô falando são da minha fase infantil, certo? Teve também Bell, do Chiclete com Banana. Eu falei isso pra ele e ele não acreditou. 

JM – Falou o que? 

LC – Falei que ele, de uma certa forma, teve uma influência sobre mim. E ele achou que era chacota, piada... mas não é não (risos). Só que eu não tinha esse discernimento do que era baixista, pô! Só de o cara tocar contrabaixo, entendeu? Não estou falando aqui de técnica, mas de coisas da infância, que me chamaram a atenção para o instrumento. Agora o que eu ouvi mesmo e adorei, vou dizer, Beto Guedes tocando baixo, até hoje eu gosto. Paul McCartney. Betinho, do ‘Armandinho, Dodô & Osmar’, eu era doido quando era guri. Tem uma cacetada, que ninguém vai conhecer quando eu falar. Gigi, Natinho, que tava no Ara Ketu até pouco tempo. 

JM – E esses baixistas de Jazz, como Charles Mingus? 

LC – Aí já é outra fase, na adolescência eu comecei a enveredar mais por essas coisas da música clássica, fusion, rock’n’roll... A gente vai chegar lá, mas eu tô indo por partes, calma. Antes teve Steve Harris, do Iron Maiden. Posso falar nacional? Leoni, que era do Heróis da Resistência. Eu não sei o nome do baixista da Plebe Rude, mas ele me influenciou. O Renato Rocket, que tocou com Marina, Renato Russo. Luizão Maia, que eu conheci antes de conhecer Arthur. Jamil Joanes também, que gravou o disco Luar, de Gilberto Gil, todo. Sizão Machado. Rubão Sabino. Didi Gomes. E por aí vai... são muitos porque a minha coisa brasileira é muito viva, muito forte. Ah [lembrando de repente] Bi Ribeiro, do Paralamas. Ele também, eu conheci, fui elogiar e ele achou que eu tava fazendo gozação da cara dele (risos). 

JM – Como foi isso? 

LC – Eu tocava com Ivete Sangalo e teve uma entrega de prêmios da MTV, e aí na festa, porque naquela entrega ali não tem nada de festa né? Não existe bebida alcoólica, nada, é uma coisa super careta assim, só pra entrega dos prêmios mesmo. Mas depois da entrega, vai uma galera para um outro lugar e aí rola uma festa pra ninguém botar defeito... não falta nada (risos). Aí eu lembro que me aproximei de Bi, na cara de pau, pra falar com ele como um tiete mesmo ‘rapaz, eu sou louco por você tocando contrabaixo, você é uma referência pra mim’, aí ele falou ‘você tá tirando sarro de mim? Você é virtuoso rapaz, eu vi você tocando’. Não acreditou não. Caetano passou nesse momento e ele reclamou com Caetano, dizendo ‘esse cara tá gozando da minha cara aqui’. E ele falava sério! (muitos risos). Pedro Ivo, que tocou com César Camargo Mariano. E ó, se eu esqueci algum que me perdoe. 

JM – E outra coisa, você falou em ficha técnica, mas são poucas as pessoas que se interessam por quem fica mais atrás, como os músicos. Você se sente escondido, por exemplo, tocando com Ivete Sangalo? Quem aparece é sempre o cantor, como se os outros sons viessem do além.  

LC – Aí é uma bandeira que... antigamente era uma coisa mais propícia às pessoas que queriam se intelectualizar, de certa forma, pegar a ficha técnica e tal. Isso existe em cinema também, você querer saber quem dirigiu o filme, não só saber quem tá protagonizando, mas saber quem fez o roteiro, isso é interessante. É interessante saber quem é o autor do livro que você leu, não só achar o livro maravilhoso, mas conhecer o autor. Mas eu acho que hoje, no mercado da música, as pessoas prestam sim atenção nos músicos, procuram saber... e na realidade todos são músicos né? Todos são artistas... não existe essa coisa de separar. Músico é artista. Músico trabalha com arte, certo? Então, quem aparece, quem tá frente... esse é um modelo tão pobre, na minha opinião, agora falando aqui da Bahia, porque eu não vejo isso em outros estados, me perdoe se eu estiver sendo ignorante aqui, mas eu vejo isso como uma coisa bem da Bahia, a banda tem um nome e sai no outdoor só o croonner, o cantor, não existe mais aquela coisa do grupo, como é o Roupa Nova, Os Paralamas do Sucesso, como eram os Titãs. Ali, cada fã focava em um componente, tinha afinidade com quem quisesse, mas todos os nomes eram conhecidos. Hoje em dia existe uma institucionalização do cantor como a referência pro trabalho, o que não é nem necessário, porque quem tá ali na frente já aparece mais mesmo. Às vezes as obras nem são dele e ele aparece mais, o que é inevitável, por isso eu acho grosseiro botar só o cantor no outdoor, já que o grupo é o grupo. O Iron Maiden, por exemplo, não tinha Bruce Dickinson na capa sozinho. 

JM – E falando agora do seu disco, Contra Baixo Astral, qual a diferença fundamental do seu trabalho solo para o de músico acompanhante? 

LC – Eu acho que por ter sido tão heterodoxo na coisa do ouvir tudo, visualize, coloque todas essas referências num funil, e vem descendo e chega em mim assim. Mas lembrando que nem chegamos nos baixistas internacionais né? 

JM – É verdade, eu tô pulando... (risos) 

LC – Você tá ansioso... Mas tudo bem, eu nunca fui muito de ‘tirar’ o que os outros baixistas faziam, nunca fui. Eu sempre ouvi, ouvi muito. O Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, falou uma coisa que é muito interessante: “o músico é 70% o que ele ouve”. Eu concordo com isso. Eu tenho um roqueiro dentro de mim, tenho um sambista dentro de mim, tenho um chorão dentro de mim... Aliás, eu tô falando assim, separando esses rótulos, mas pra mim eu sou músico e músico é aquele que toca qualquer coisa. Podem haver especialistas, como existem em todas as áreas. Na medicina existe o especialista em olhos, em nariz, ou então o clínico geral. Eu prefiro ser o clínico geral. Eu toco Jazz, mas não sou jazzista. Toco samba, mas não sou sambista. Toco pagode, mas não sou pagodeiro. Toco Rock’n’Roll mas não sou roqueiro. E tudo isso que eu falei eu toco com amor. Aí então, teve uma fase na minha vida em que eu ouvi muito John Patitucci, que tocava com Chic Corea, e realmente eu comecei a querer tocar igual a ele, e o Leo Gandelman, que veio fazer uma apresentação com Margareth [Menezes] no Carnaval de 1994, já conhecia meu som porque eu já tinha gravado o disco de Margareth, Luz Dourada, aí ele chegou pra mim e disse, com aquele sotaque carioca ‘mas tu parece o Patitucci tocando’. E daí surgiu o apelido ‘Patetute’, misturando Pateta, por causa da aparência, e fizeram uma junção dos dois nomes e deu ‘Patetute’. Eu fiquei meio puto da vida com isso de ficar parecendo com outro artista e desde então eu não quis mais ouvir (risos) Patitucci. Hoje, quando eu paro pra praticar, que é uma coisa crucial em minha vida praticar o instrumento, como um atleta precisa, eu, que tenho influência de milhares de artistas, vejo que consegui o que eu sempre quis que é ter o meu próprio som. E a única vez que eu ouvi alguém falar que eu parecia com outro artista foi naquela vez em 1994, porque desde então o que acontece é que tem gente que ouve e diz ‘sabia que era você que tinha gravado isso’, pelo estilo. E tem coisas que eu não gravei e algumas pessoas vêm perguntar se fui eu por achar parecido... Isso me deixa muito feliz, não tem grana que pague, saber que eu tenho um som peculiar. E quando você ouve o meu disco, o Contra Baixo Astral, dá pra perceber quem tem vários baixistas tocando em um só disco, embora seja também um só baixista. O disco é uma síntese do que eu sou. 

JM – E esse nome é muito bom. Quem escolheu, você mesmo? 

LC – Esse nome foi o meu irmão Cássio que sugeriu quando eu tinha 15 anos e ele 14. Eu já sonhava em fazer um disco e Cássio, que era meu companheiro de muitos papos, durante uma conversa disse que o nome do disco tinha que ser Contra Baixo Astral. E eu nunca esqueci disso, veja como é a coisa da memória.

JM – Então seguindo nessa coisa de memória, complete a lista dos baixistas com os internacionais. 

LC – Jaco Pastorious, não só pelo baixo, mas pela atitude no instrumento. Esse tá na ponta. Aí vem Anthony Jackson; Louis Johnson; Mike Porcaro… Anthony Jackson, inclusive foi fundamental pra mim na coisa do querer solar demais e fazer acompanhamento, porque ele mesmo acompanhando sola, faz a base solando, então quando eu o conheci foi um boom para mim. Patitucci, outra referência. Esqueci de falar, entre os brasileiros, de Nico Assunção, que foi muito importante pra mim. Eu quis ter baixo de seis cordas por causa de John Patitucci e Nico Assunção. Mas vamos lá, Billie Sheeham. Victor Baileye muito outros... Tenho influências de tantos... 

JM – E quando você tava falando das bandas eu lembrei da extinta Zé da Eskina. Como foi que começou e porque acabou? 

LC - O Zé da Eskina, na época da formação comigo, com Cássio e com Ed, nós já tocávamos juntos desde pequenos, de guri. Eu me profissionalizei antes de Cássio, Cássio veio depois na coisa profissional, mas antes disso nós tocávamos lá na Liberdade, tínhamos um repertório assim... enquanto eu tava muito enveredado para o Jazz e ouvia mais Rock’n’Roll de fora, e como a nossa geração muita gente se interessava por política, até pela fase que o País passava, eu participei das primeiras eleições diretas pra presidente e bebi muito dessa fonte, Cássio bebeu, todos beberam... E esse grupo sempre se reunia sem pretensão nenhuma, só pra se divertir lá na Liberdade, dentro de um apartamento e era muito bacana porque a vizinha de baixo não podia reclamar já que o filho dela também ía lá pra cima e a gente tocava um repertório com quase tudo dessas bandas dos anos 80: Paralamas; Plebe Rude; Ultraje a Rigor!; Zero; Legião; Barão Vermelho... tudo mesmo que você imaginar... RPM... Eu com 12 anos, Cássio 11, meu pai nos levava pra tocar no auditório da Coelba -que ele trabalhava lá- e a gente era a atração. E como Cássio sempre gostou de escrever, independente de tocar, começamos a fazer nossas próprias músicas. E em 1995 nós fomos ao MAM, eu, Cássio, Pigmeu e Ed, brincar de tocar num evento chamado Bar Cultural, que enchia de gente. Fomos só dar uma canja. Só que começamos a tocar as coisas do passado que todo mundo lembrava, coisas da banda Erva Doce, sabe qual é? A música Erva Venenosa é da Erva Doce. Aí começou a história de fazermos uma banda mesmo, que colocamos o nome de Nerds, por causa de uma série de filmes Os Nerds Atacam de Novo, Nerds não sei o que... Aí o evento foi transferido para a Praça Tereza Batista, e para você ter uma idéia, as bandas tinham que solicitar pauta, mas os Nerds não precisavam disso não, os Nerds eram da casa, todo mundo esperava a gente tocar. E aí gravamos as músicas próprias, como os Nerds ainda, como profissionais mesmo. Depois os Nerds acabou e Cássio, que já era louco pelo Nirvana, resolveu fazer uma banda assim... ele teve muita influência nisso. E o Zé surgiu assim, Cássio falou Zé e eu completei: da Eskina. E formamos a banda, um trio, porque Pigmeu já não quis mais fazer parte. E gravamos, porque eu chamei Alexandre Lins, que é produtor de todos os discos de Ivete, para ouvir o som da banda, ele foi e gostou e resolveu investir. E como sempre trabalhamos com Wesley Rangel, tivemos a WR para gravar. A banda foi um sucesso da noite de Salvador. Fomos tocar num festival em Aracaju, a convite de Pitty, que ainda tava no Inkoma. 

JM – Para mim uma canção muito marcante de Zé da Eskina foi ‘O Crack e a Miséria’. 

LC – Ah sim... ele faz uma brincadeira com o craque do futebol e a droga, é inteligente. Pois é, a história do Zé é mais ou menos isso... lotávamos o Calypso. 

JM – E falando nisso, como você a cena do rock atual em Salvador? 

LC – Eu não tenho acompanhado o que tem acontecido nos porões de Salvador, mas de uma coisa eu tenho certeza, o que acontece aqui em Salvador, do Rock’n’Roll, na música -que eu não gosto de chamar assim, mas tenho que chamar para as pessoas poderem entender- alternativa, a música baiana alternativa... o que acontece é muito autêntico e muito bom. Existe uma criatividade aqui excepcional e que não existe em São Paulo, por exemplo. Eu não tenho medo de falar isso. Só que o espaço para essas bandas daqui é pequeno e essas bandas precisam ir para São Paulo, ou Rio, pra propagar o trabalho... quando conseguem, né? Pitty foi uma exceção, mas tem um apanhado de coisas, que são resistentes e criam de verdade. Agora eu não sei a coisa da atitude. Porque tem essa comparação com Pernambuco e parece que os pernambucanos têm mais essa atitude de mostrar as coisas... Eu não sei... Eu também não tenho acompanhado muito, porque o berço mesmo é no Rio Vermelho, não é? O que eu sei é que os roqueiros têm investido muito na guitarra baiana, nas marchinhas de carnaval... Eu não entendi muito onde eles querem chegar com isso, mas pra coisa ruim não deve ser. Retrofoguetes é muito bom, desde antes de ser Retrofoguetes eu já gostava como Dead Billies, ainda que não fosse uma coisa nossa... mas tudo é nosso, a música é nossa... eu achava muito original. 

JM – E das coisas que você gravou, acompanhando, quais foram as que você mais gostou do resultado final?

LC – O disco de Gilberto Gil, [As Canções de] Eu Tu Eles. Esse disco foi inesquecível, para mim. Inclusive eu fiz alguns shows, substituindo Arthur [Maia], e para mim foi inesquecível. Gil é maravilhoso. Ele deixava a gente muito livre... falava sobre as composições, toda a concepção. Outro disco que foi bacana que eu gravei foi o primeiro de Ivete [Sangalo]. No segundo eu gravei a música Festa com ela e gostei dessa música. Porque? A música é uma música comum, mas o arranjo foi bem elaborado e para mim, quando tava gravando foi sem voz guia no estúdio e foi uma música que seria apenas complementar no disco e eu nunca poderia imaginar que ela seria o carro-chefe e que iria consolidar Ivete como um fenômeno da música brasileira. Foi a partir dali que deu um boom na carreira dela. 

JM – E é uma música dessas que falam de mistura: “guitarras de rock’n’roll / batuque de candomblé”. 

LC – É, é uma música interessante, mas não tinha letra quando eu tava gravando. O arranjo foi de Letieres Leite e eu lembro de Davi Moraes ao meu lado, Cesinha, que tocava com Vanessa da Mata, foi um time bom que gravou! E para mim a música era só tá-tum-tá-tum... E eu fiquei pensando: ‘numa terra onde só tá rolando Axé de cunho apelativo e tal...’ Foi de muita importância essa gravação também. E agora, teve um disco que eu produzi, todo, produzi, arranjei e foi muito bacana! O disco de Belô Velloso, Versão Brasileira. Foi feito com muito esmero e foi muito bem recebido pela crítica do Brasil todo. Ficou por seis semanas em primeiro lugar no top do UOL Megastore, antes de o disco sair. E esse disco tá circulando por aí na internet. E foi um disco bem elaborado. 

JM – E como é a sua relação com o Carnaval, digo como folião? 

LC – Nunca fui folião, nunca. Mas não digo isso com orgulho, eu gostaria muito de ter sido. Mas nunca tive tino pra isso. Sempre tive uma timidez e até hoje eu sinto vertigem em lugares com muita gente. Mas eu observava o carnaval da marquise de uma casa lá na Carlos Gomes e lembro de Luis Caldas passando com a banda Acordes Verdes, com Carlinhos Brown tocando com ele ainda. São momentos memoráveis da minha vida. Folião eu nunca fui, mas a minha relação com o carnaval é assim... como eu poderia descrever? Eu tenho pavor e ao mesmo tempo fascínio. 

JM – E daqui pra frente? 

LC – Eu tô até concebendo o meu segundo CD, sem pressa nenhuma. E 60% dele vai ser orquestrado. Eu tô escrevendo ele meticulosamente... trabalhando muito e dormindo pouco. Até porque, paralelo a esse disco eu tenho outros trabalho pra arranjar. Se você quiser eu posso te mostrar um pouco e você comenta depois na sua coluna. 
[o laptop de Luciano Calazans estava recarregando a bateria e por isso eu não ouvi nada do novo som. Pena! Também por isso não conseguimos conferir na internet se a canção Você É Linda, de Caetano Veloso, está no disco UNS (como eu disse) ou em Cores/Nomes (como disse o baixista). Mas como a dúvida nos incomodasse muito, Luciano ligou para a sua amiga, a cantora Mônica Sangalo, e perguntou. Ela conferiu por lá, no seu acervo, e acabou constatando o que eu dissera: Você É Linda foi gravada originalmente no disco UNS – de 1983. Eu fiquei orgulhoso da minha memória e o Luciano pediu pra mencionar a Mônica Sangalo, uma grande artista! Aí está.]

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